quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A Portagem

Sempre que passava na portagem, lá estava ela, bela, triste, tristemente bela!

Não seria mais jovem que eu, pelo menos considerando o rosto e a ínfima parte do busto que eu conseguia vislumbrar.
Olhava-me serenamente, com uma certa altivez aristocrática, que me fazia estremecer quando lhe entregava o cartão para liquidar a portagem.
De início, seguia o meu caminho silenciosamente, meditativo, mas, ao fim de meia dúzia de viagens, prosseguia o resto da caminhada com os olhos dela dentro dos meus, vencendo-me o desejo de, mais dia, menos dia, cumprimentá-la mais efusivamente; oferecer-lhe uma flor, perguntar-lhe, talvez, se era casada, convidá-la, uma noite qualquer, ou uma tarde de domingo, para uma bebida, à luz das velas, num bar virado para o rio, ou para o mar, e poder contemplar embevecido aquela olhar, belo e triste, que começava a cativar o meu.

Um dia, enchi-me de coragem e ofereci-lhe uma flor que, ultimamente, levava sempre comigo.

Na viagem seguinte, e enquanto puxava pelo cartão, nem sei como fui capaz de lhe perguntar (por entre um rosário de pedidos de desculpa) se era casada, se tinha companheiro.

-- Não! --respondeu ela com uma voz suavemente doce.--Está desculpado, mas o meu companheiro de uma vida faleceu o ano passado.

Sem voz, estendi-lhe um cartão de visita, com o número do meu telefone, sem muita esperança que ela me ligasse algum dia.

Semanas depois, e antes de partir para o outro lado do rio, observei uma chamada não atendida no meu telefone, cujo número disquei sem que alguém me respondesse.

Quando regressava da outra margem, enfiei a viatura pela faixa número quatro, onde quase sempre a encontrava, e os meus olhos abriram-se de espanto, ao ver uma jarra com uma rosa que lhe oferecera na semana anterior.

--Que linda rosa! -- exclamei para a senhora que me atendia.--Ofereci uma igualzinha a uma sua colega na semana passada.

Ela fixou-me, com um olhar triste:--Ai, foi o senhor? Sinto muito, mas a D. Inês, minha amiga e vizinha, faleceu anteontem e, antes de falecer, pediu-me que colocasse esta jarra aqui, como gratidão pelo gesto de alguém que a sensibilizou.

Sem palavras, fiz-lhe um aceno com a cabeça, e arranquei imediatamente, antes que ela visse as lágrimas que me corriam pelo rosto, pois, segundo já ouvi por mais de uma vez, é feio um homem chorar!

Nocturno

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